quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Algumas Técnicas de Tradução do Inglês para o Português

http://www.nogueiratranslations.com.br/T%C3%A9cnicas.htm

Algumas técnicas de tradução do inglês para o português
Vera e Danilo Nogueira
© Vera e Danilo Nogueira, 2005

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O material para esta apresentação, preparada para o I Congresso Internacional da abrates (Rio de Janeiro, 2005), foi extraído das notas para um livro que pretendemos ver publicado em breve. Para o Congresso (e para este texto) escolhemos alguns tópicos que não guardam relação entre si, mas nos pareceram interessantes. Neste texto, o ponto de exclamação (!) indica uma solução que não recomendamos ou que simplesmente está errado.

Saiba que na página na Internet, www.nogueiratranslations.com.br, há mais informações interessantes para tradutores profissionais.

Tradução literal

Fala-se tanto mal de tradução literal, que muitos acreditam que traduzir literalmente seja errado. Não é verdade. Muitos erros de tradução se devem a excesso de literalidade, outros tantos à tomada de liberdades desnecessárias com o texto dos outros. É preciso aprender a traduzir tão literalmente quanto possível, tão livremente quanto necessário, quer dizer, é preciso aprender quando é necessário tomar liberdades. Por exemplo, uma frase como:

The boy ate a piece of cake.
O menino comeu um pedaço de bolo.

pode e deve ser traduzida literalmente na maioria dos casos. Que quer dizer na maioria? Talvez não caiba no espaço disponível, por exemplo. Mas salvo uma restrição dessas, não vemos nada de errado com a tradução.

Não ceda à tentação de traduzir:
The boy ate a piece of cake.
O menino comeu uma fatia de bolo.
Você pode até achar que fica melhor, mas não é a mesma coisa. Bolos podem ser cortados de mil maneiras, não só em fatias, e essa tradução é desnecessariamente mais específica que o original. Não faz diferença? Pode ser. Mas talvez, dez páginas adiante, você venha a descobrir que a mãe do menino sempre cortava o bolo em cubos, não em fatias, e vai ter de voltar para corrigir o que parecia um melhoramento, mas era na verdade um erro. Isso, se você se lembrar de que cometeu o erro.

Pronomes do caso oblíquo

O tratamento dos pronomes oblíquos envolve dois problemas, pelo menos. O primeiro é que o inglês por natureza usa mais pronomes que o português e, se você traduzir todos eles, vai cair em anglicismo de freqüência, que é o uso de uma construção perfeitamente correta, porém mais freqüente em inglês do que em português. O segundo problema é que o português brasileiro coloquial pede construções que a gramática rejeita e a forma que a gramática prescreve, por sua vez, é vista como muito formal e, quando usada muitas vezes no mesmo texto, dá ao texto um tom empolado. Um bom caso é:

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Onde temos uma tradução que viola a norma culta e outra que desloca o texto para um registro mais formal do que o desejado ou que, se aparecer com mais freqüência, vai tornar o texto cansativo e pouco idiomático. Temos várias soluções para o problema, por exemplo:

Elidir o pronome:

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Este é o procedimento mais simples. A elisão do pronome é considerada marca de bom estilo em português e, aqui, o sentido fica igualmente claro com ou sem pronome. Aproveitamos para inserir um conetivo, como lembrete de que o inglês muitas vezes usa construções assindéticas onde o português prefere usar uma conjunção. Mas esse é um assunto de que não trataremos aqui.

Apassivar o verbo:

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Quando se troca a voz do verbo de ativa para passiva, o objeto se torna sujeito e então passamos a lidar com omissão do pronome do caso reto, que também é comum em português. Note que o auxiliar deve serve para transmitir a idéia de imperativo que está no inglês. A construção sindética poderia ser:

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Transformar o verbo em abstrato:

Traduzir um verbo pelo abstrato correspondente é um dos procedimentos mais comuns e úteis na tradução do inglês para o português ou outras línguas românicas. Nem sempre funciona. Neste caso, por exemplo, o ganho de qualidade é praticamente nulo:

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Entretanto, sirva de sugestão para outros casos, que não vamos discutir aqui. Um dos truques de tradução mais úteis que existem é transformar verbos ingleses em substantivos portugueses.

Advérbios em -mente

A terminação ­–mente tem duas sílabas, ao passo que o inglês –ly tem uma só. Isso torna os advérbios em –mente mais pesados que seus análogos ingleses. Além disso, criam uma série de ecos, rimas internas indesejáveis. Por isso, devem ser usados parcimoniosamente.

Na tradução, entretanto, o problema pode ser mais grave, porque, mesmo respeitando a regra do “nunca mais que três em seguida”, a sucessão de advérbios em–mente em frases consecutivas também prejudica a qualidade do texto. Não significa que seja errado usar advérbios em mente, mas significa que é útil usar algumas das técnicas abaixo para reduzir a sua freqüência.

Truncar todos os advérbios de uma série, menos o último:

Este é o procedimento clássico, que todos nós aprendemos na escola:

exactly, correctly and precisely
exata, correta e precisamente

Substituir por de forma, de maneira ou de modo, seguidos de adjetivos no feminino:

Outro procedimento, também conhecidíssimo desde os tempos de escola:

exactly, correctly and precisely
de forma exata, correta e precisa

Tem a limitação de que nosso texto acaba ficando com muitos de forma isto, de maneira aquilo e encomprida muito o texto, o que pode ser um grande problema quando há limitação de espaço.

Desdobrar o advérbio em com + abstrato:

Mais uma vez, a importância dos substantivos abstratos nas línguas românicas:

carefully
com cuidado

Um advérbio pode ser modificado por outro, mas um substantivo tem de ser modificado por um adjetivo. Portanto,

very beautifully
com grande beleza

He worked very fast and efficiently.
Ele trabalhava com grande rapidez e eficiência.

He looked at us scornfully.
Olhou para nós com desprezo.

as naturally as possible
com o máximo de naturalidade possível

The accused laughingly described some of the crimes.
O acusado descreveu alguns dos crimes com um sorriso (nos lábios).

Desdobrar o advérbio em sem + abstrato:

Da mesma maneira que um advérbio que indique presença de uma característica pode ser desdobrado em com + abstrato, um advérbio que indique carência pode ser traduzido por sem + abstrato:

He walked aimlessly for more than an hour.
Caminhou sem destino mais de uma hora.

Aqui, o -less- indica a carência de destino.

Desdobrar o advérbio em com + abstrato + adjetivo:

Esta é uma excelente solução, que torna a tradução mais fluida e idiomática. O advérbio propriamente dito é transformado em adjetivo, mas, como com + adjetivo é impossível, precisamos de algo para preencher e esse algo normalmente é um abstrato. O problema é que nem sempre é fácil achar um abstrato que combine com nosso adjetivo:

“No, Sir!”, she said sadly.
– Não senhor, disse ela com um jeito triste.

He looked at us scornfully.
Olhou para nós com um ar de desprezo.

Desdobrar o advérbio em adjetivo com suporte:

Aqui dispensamos o com, porém temos de arranjar um suporte adequado para o adjetivo, o que pode ser difícil.

Economically, capitalism has transformed many societies.
De um ponto de vista econômico, o capitalismo transformou muitas sociedades.

Transformar o advérbio que modifica um verbo em um adjetivo que modifique um substantivo:

Este procedimento exige um pouco mais de cuidado, porque o advérbio vai modificar uma palavra diferente da que modificava em inglês. Por exemplo:

An elderly man walked pensively.
Um senhor idoso caminhava pensativo.

No original, o advérbio modifica o verbo, na tradução, modifica o substantivo, que desempenha o papel de sujeito.

Distinção entre hífen e travessão

Hífen se usa para juntar palavras e travessão se usa para separar palavras. No teclado do computador, o hífen fica ao lado do “0”, mas para o travessão não há tecla separada. Para obter um travessão, é necessário apertar Ctrl e sinal de menos do teclado numérico ao mesmo tempo. Também se pode apertar Alt e, no teclado numérico, digitar 0150, algo que só funciona se o led do Num Lock estiver aceso.

O uso de hífen e travessão é explicado em qualquer gramática e no Guia Ortográfico de Celso Pedro Luft, que todo tradutor para o português deve ter à mão. Aqui, somente damos alguns exemplos.

Com hífen:

alto-falante

Com travessão

A estrada Rio – Santos
O triênio 2002 – 04 presenciou um aumento de 30%.
A Baixa Eslobóvia – mais uma vez – tentou estabilizar a moeda, mas sem grandes resultados.

A praxe em português é usar espaços antes e depois do travessão. O travessão muitas vezes é usado para destacar uma intercalação, caso em que alguns seguem a praxe espanhola, em que o travessão fica colado à intercalação, da mesma forma que ficariam parênteses:

A Baixa Eslobóvia – mais uma vez – tentou estabilizar a moeda, mas sem grandes resultados. (praxe tradicional brasileira)
! A Baixa Eslobóvia –mais uma vez– tentou estabilizar a moeda, mas sem grandes resultados. (praxe espanhola)

Grafia de números

O separador de milhares, em português, é o ponto. O separador decimal é a vírgula. Não importa se estamos falando de reais, euros, dólares, número de habitantes de uma cidade ou camelos de uma caravana. Resolução CONMETRO 12/98.

Entre o cifrão e o primeiro algarismo de um valor monetário, deixe um espaço inseparável, que você consegue com ctrl + shift + barra de espaço.

Bibliografia

A descrição clássica dos procedimentos de tradução está em VINAY, Jean-Paul e DARBELNET, Jean – Stylistique comparée du français e de l’anglais: Méthode de traduction. Paris. Didier, 1977.
Existem edições posteriores e uma tradução para o inglês, à qual não tivemos acesso.
Existe uma apresentação, breve e excelente, em português: BARBOSA, Heloisa Gonçalves – Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas, SP. Pontes, 1990, reeditada recentemente.

2 comentários:

Deborah disse...

Adorei! O texto contem dicas simples e interessantes.

Polaris disse...

Post antigo mas com um conteúdo muito atual, obrigada galera, vocês sanaram algumas das minhas dúvidas !