quinta-feira, 13 de setembro de 2007

LÍNGUA GALEGA - noroeste da Espanha

Língua galega

Língua galega é o nome oficial em Espanha e na União Europeia do idioma natural da Comunidade Autónoma da Galiza. O galego ou português da Galiza fala-se na Galiza, na fronteira com as comunidades autónomas das Astúrias e Castela-Leão e nas comunidades de galegos emigrantes, como na Argentina e no Uruguai (mais de três milhões de emigrantes galegos moram naqueles países). O galego pode ser visto como uma forma evoluída do galego-português, com algumas influências do castelhano e umas poucas formas próprias inexistentes em português. Por outro lado, o português da Galiza conserva certos traços do galego-português original que desapareceram do português contemporâneo. Trata-se de uma língua românica que nasceu na antiga província romana da Gallæcia (que abrangia o território da Galiza actual, o norte de Portugal e territórios limítrofes a leste). O galego ou português da Galiza tem influência léxica pré-celta, celta, basca, germânica, provençal, ameríndia e castelhana (arabismos, empréstimos linguísticos modernos, ortografia actual e certos traços fonéticos). A língua considera-se formada a partir do século IX, como resultado da assimilação do latim vulgar falado pelos conquistadores romanos a partir do século II d.C. No seu momento foi língua culta fora dos reinos da Galiza e de Portugal nos reinos vizinhos de Leão e Castela. Escrevendo em galego, por exemplo, o rei castelhano Afonso X o Sábio, as suas "Cantigas de Santa Maria". A sua importância foi tal que se considera a segunda literatura durante a Idade Média só depois do Occitano. Recentemente foi achado o documento mais antigo escrito dentro da actual Comunidade Autónoma que se conserva, o qual data do ano 1228, trata-se do Foro do bõ burgo do Castro Caldelas outorgado por Afonso IX em Abril do dito ano ao município de Alhariz (Galiza, Espanha). O galego-português, comum à Galiza e a Portugal, teve 700 anos de existência oficial como língua culta e plena, mas as derrotas que os nobres galegos sofreram ao tomar partido pelos bandos perdedores nas guerras pelo poder em finais do séc. XIV e princípios do séc. XV provoca a assimilação da nobreza galega e a dominação castelhana, levando à opressão e ao desaparecimento público, oficial, literário e religioso da língua até finais do séc. XIX. São os chamados "Séculos Escuros". O português de Portugal, por seu lado, durante este período gozou de protecção e desenvolvimento livre, graças ao facto de Portugal ter sido o único território peninsular que ficou fora do domínio linguístico do castelhano. Cada 17 de Maio celebra-se o Dia das Letras Galegas dedicado a um escritor galego (escolhido pela Real Academia Galega). Este dia é usado pelos organismos oficiais para potenciarem o uso e o conhecimento da língua da Galiza.

Normas

O governo actual da Galiza, os meios de comunicação galegos que dependem do governo e a administração empregam uma variedade padronizada de português galego (a norma da Real Academia Galega — RAG) que, respeitando a ortografia do "Rexurdimento" no século XIX, o distancia do português padrão actual. Contudo, há uma outra visão defendida desde os movimentos sociais, colectividades e activistas de defesa da língua, chamada de reintegracionista, que pretende reintegrar os falares galegos com o português padrão. Fazem parte deste movimento uma grande parte do professorado em universidades, intelectuais, artistas e comunicadores sociais, além de alguns meios de comunicação independentes. Uma parte significativa deste movimento escreve directamente em português de Portugal e outra fá-lo na norma criada pela Associaçom Galega da Língua. No verão de 2003 produziu-se uma mudança ortográfica na norma da RAG que passou a chamar-se desde esse momento "Normativa de concórdia".

Norma de 2003

A Real Academia Galega e o Instituto da Língua Galega admitiram Galiza e Galicia na sua "Norma de concórdia" no verão de 2003 entre outras mínimas modificações da norma para o galego (por exemplo até por ata, posíbel por posible) contribuindo a um achegamento para o português. Na elaboração da proposta participaram Departamentos de galego e português das três Universidades galegas, mas foi visto como uma reforma excessivamente tímida e menor em que não se permitiu participar o reintegracionismo. Mais de seiscentos activistas de diferentes origens e profissões assinaram um comunicado público contra esta norma.

Uso oficial

Em relação à oficialidade, o galego é co-oficial na Galiza conjuntamente com a língua castelhana. Na União Europeia já foi aceite oralmente como sendo português, nomeadamente nas intervenções dos ex-eurodeputados galegos Camilo Nogueira e José Beiras, tal como se pode ver no excerto desta entrevista de Camilo Nogueira ao jornal português Correio da Manhã:

«Camilo Nogueira: Falo português da Galiza, 2002-12-18 O deputado europeu Camilo Nogueira, eleito em 1999 pelo Bloco Nacionalista Galego, faz a maioria das suas intervenções, em Estrasburgo, na língua de Camões. Diz que o galego é português com sotaque e que, graças a esta feliz coincidência, tem a possibilidade de falar no Parlamento Europeu a sua ‘língua mãe’.


CM – O eurodeputado Camilo Nogueira utiliza o português, na maioria das suas intervenções no Parlamento Europeu, com o intuito de promover o galego ou com a intenção de reforçar o português? Camilo Nogueira – Eu tenho o galego como língua da minha família e do meu país e pretendo que a principal língua da Galiza, mesmo em termos políticos e económicos, seja o galego. Nesse sentido, tenho a sorte de, ao contrário do que acontece com os catalães ou os bascos, a língua original da minha região ser uma língua universal e uma das oficiais do Parlamento Europeu, que é o português. Agora, respondendo à questão, eu acabo por fazer as duas coisas, porque promovendo o português vou impondo o galego.


(...)


CM – Tratando-se de um eurodeputado eleito por Espanha, nunca lhe foi colocado qualquer problema por falar em português? Camilo Nogueira – Não, claro que não. Eu até já debati esta questão com José María Aznar, sobretudo quando a Espanha tinha a presidência da União Europeia e ele teve de pôr os auscultadores para compreender a minha intervenção. Eu disse-lhe que é legítimo que os galegos lutem pela sua língua de origem. De resto, devo dizer-lhe que, curiosamente, eu posso fazer as intervenções na minha língua no Parlamento Europeu, graças ao português, mas não o posso fazer no parlamento espanhol em Madrid, onde o castelhano é obrigatório. (...)»

Línguas distintas ou dialetos da mesma língua?

De um ponto de vista político e, portanto, oficial, o Galego é uma língua diferente do Português. Assim o determinam as instituições com autoridade democrática do estado Espanhol e da Região Autónoma da Galiza. Alguns partidos políticos, como o Bloco Nacionalista Galego, pretendem alterar esta situação, mas, no presente, ela mantém-se. De um ponto de vista científico o galego é considerado uma variedade dialectal da língua portuguesa. Desde que, em 1970, Lindley Cintra apresentou a sua classificação para os dialectos galego-portugueses (que é a que está actualmente em vigor), este assunto é praticamente consensual entre a comunidade linguística. Em Portugal, nas universidades e centros de investigação linguística, os dialectos galegos são estudados como parte dos dialectos do português europeu. Na Galiza, os linguistas são um dos grupos sociais mais activos no chamado movimento reintegracionista, que defende a inclusão política da língua galega no sistema lusófono. Controvérsias parecidas levantam-se em relação a outras línguas da Europa, que, assim como o galego e o português, são tidas como pertencentes a um diassistema — como o occitano-catalão, asturiano-mirandês, albanês-kosovar, flamengo-holandês, checo-eslovaco, servo-croata, córnico (ou cornês)-bretão.
Há alguns autores galegos que publicam na versão reintegrada do galego em Portugal (Carlos Quiroga, João Guisan Seixas). Também há obras lusófonas editadas directamente na Galiza (Roberto Cordovani, Nélida Piñon)

Principais diferenças entre o galego e o português

Na escrita, se o galego se grafar em ortografia reintegrada, as diferenças são mínimas e é totalmente compreensível e até percebido como um dialecto peculiar do português. Mas, se grafado na chamada "ortografía oficial", a que é empregue pelas administrações na Galiza, a compreensão fica muito dificultada. Diferenças fonéticas nalguns falares galegos em relação aos dialectos portugueses setentrionais (Norte de Portugal) por influência do castelhano:
Vocalismo átono de maneira semelhante ao dos dialectos brasileiros (e. g. "batata" pronuncia-se *bátátá)
Início da inexistência de vogais ou ditongos nasais (por presença do castelhano) (e. g. "mão" diz-se *mám ou *máo)
Ensurdecimento das sibilantes sonoras (e. g. "casa" diz-se como "caça" e "gente" diz-se *xente)
Fenómeno da gheada (apenas no dialecto galego ocidental): o "g" intervocálico é aspirado (e. g. *ghalegho)

Há diferenças nas flexões verbais, como o pouco uso da mesóclise pronominal (também pouco frequente no português do Brasil), que, em geral, são percebidas como arcaísmos pelos restantes falantes de português. A ortografia "oficial" é um decalque da ortografia do castelhano, empregando exactamente as mesmas regras, até na pontuação. Assim, o galego "oficial" utiliza ñ por nh, ll por lh, não usa ç mas z, só emprega o acento agudo, etc. O artigo feminino uma e os seus derivados, que no galego-português medieval era grafado com ũa, nos dialectos galegos ocidentais é pronunciado com n velar, e nos orientais ficou simplesmente desnasalado ("ua", "algua"). Na ortografia reintegracionista da Associaçom Galega da Língua, é representado quer com umha, quer com ũa, mas na oficial, unha.

Semelhança entre português e galego
Para ilustrar a semelhança entre o galego e o português apresenta-se dois exemplos em português, nas duas variantes do galego e também em castelhano.

Uma frase simples,

português: o cão do meu avô é parvo
galego, ortografia da Associaçom Galega da Língua: o cam do meu
avô é parvo
galego, ortografia da Real Academia Galega: o can do meu avó é
parvo
castelhano: el perro de mi abuelo es tonto

O Pai Nosso,

padrão europeu: Pai Nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.

galego reintegrado: Nosso Pai que estás no Céu: santificado seja o Teu nome, venha a nós o Teu reino e seja feita a Tua vontade aqui na terra como nos Céus. O nosso pam de cada dia dá-no-lo hoje; e perdoa-nos as nossas ofensas como também perdoamos nós a quem nos tem ofendido; e nom nos deixes cair na tentaçom, mas livra-nos do mal.

galego oficial: Noso Pai que estás no ceo: santificado sexa o teu nome, veña a nós o teu reino e fágase a túa vontade aquí na terra coma no ceo. O noso pan de cada día dánolo hoxe; e perdóanos as nosas ofensas como tamén perdoamos nós a quen nos ten ofendido; e non nos deixes caer na tentación, mais líbranos do mal.

espanhol: Padre nuestro que estás en los cielos, santificado sea tu Nombre, venga a nosotros tu reino y hágase tu voluntad en la tierra como en el cielo. Danos hoy nuestro pan de cada día y perdona nuestras ofensas como también nosotros perdonamos a los que nos ofenden; no nos dejes caer en tentación, y líbranos del mal.
Bibliografia

Cunha, Celso e Cintra, Lindley, «Os dialectos da língua portuguesa», in Nova grámática do português contemporâneo, 12.ª edição, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1996, ISBN 972-9230-00-5;

Cintra, Luís Filipe Lindley, Estudos de Dialectologia Portuguesa, 2.ª edição, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1995, ISBN 972-562-327-4;

Teyssier, Paul, História da língua portuguesa, 6.ª edição, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora. 1994, ISBN 972-562-129-8








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